O setor de saúde está passando por uma transformação significativa na forma como os serviços são remunerados. Tradicionalmente, hospitais e clínicas operam sob o modelo fee-for-service (pagamento por serviço), no qual a receita é gerada com base no volume de procedimentos realizados. No entanto, um novo paradigma vem ganhando força: a Remuneração Baseada em Valor (Value-Based Healthcare – VBHC), que vincula o pagamento aos resultados clínicos e à qualidade do cuidado prestado.
Essa mudança promete alinhar os incentivos financeiros com a eficácia dos tratamentos, reduzindo desperdícios e melhorando a experiência do paciente. No entanto, para os gestores de saúde, a transição para esse modelo pode representar tanto uma oportunidade de otimização financeira quanto uma armadilha, caso não seja implementada com planejamento estratégico e controle de custos adequado.
Neste artigo, exploraremos os fundamentos da remuneração por valor, seus benefícios e desafios, além de estratégias para que as instituições de saúde possam se adaptar a esse novo cenário sem comprometer sua sustentabilidade financeira.
O que é a Remuneração Baseada em Valor?
Do Volume para o Valor: Uma Mudança de Paradigma
No modelo tradicional (fee-for-service), os provedores de saúde são remunerados pela quantidade de procedimentos realizados, independentemente dos resultados obtidos. Isso pode levar a:
- Sobrediagnóstico e tratamento excessivo (exames e intervenções desnecessárias).
- Falta de incentivo para prevenção e acompanhamento contínuo do paciente.
- Aumento dos custos sem melhoria proporcional na qualidade.
Já na Remuneração Baseada em Valor, o pagamento está atrelado a:
✅ Desfechos clínicos positivos (melhora do paciente, redução de complicações).
✅ Indicadores de qualidade (taxa de readmissão, satisfação do paciente, tempo de recuperação).
✅ Eficiência no uso de recursos (evitando desperdícios e retrabalhos).
Diferenças Entre os Modelos
Critério | Fee-for-Service | Value-Based Healthcare |
Foco | Volume de procedimentos | Resultados clínicos |
Incentivo Financeiro | Mais serviços = Mais receita | Melhores resultados = Melhor remuneração |
Avaliação de Qualidade | Limitada ou inexistente | Métricas rigorosas (readmissão, satisfação, eficácia) |
Impacto nos Custos | Pode aumentar desperdícios | Promove eficiência e redução de custos |
Esse modelo já é realidade em países como Estados Unidos, Reino Unido e Suécia, onde sistemas de saúde públicos e privados estão migrando para contratos baseados em valor. No Brasil, grandes operadoras como Amil e NotreDame Intermédica já começaram a adotar esse formato, indicando uma tendência irreversível.
Oportunidades da Remuneração por Valor para Gestores
1. Redução de Custos com Retrabalho e Readmissões
Um dos maiores problemas do modelo tradicional são as readmissões hospitalares, que geram custos adicionais e sobrecarregam o sistema. Com o VBHC, há um incentivo claro para:
- Melhorar a eficácia dos tratamentos, evitando complicações.
- Fortalecer o acompanhamento pós-alta, reduzindo reinternações.
- Otimizar recursos, eliminando procedimentos desnecessários.
2. Previsibilidade Financeira e Contratos Mais Estratégicos
Ao estabelecer indicadores claros de desempenho, os hospitais podem:
- Negociar contratos mais vantajosos com operadoras e planos de saúde.
- Antecipar receitas com base em metas alcançáveis.
- Integrar dados clínicos e financeiros, permitindo uma gestão mais precisa.
3. Acesso a Incentivos e Bonificações
Muitas operadoras já oferecem bônus por desempenho em contratos baseados em valor. Hospitais que se adaptarem primeiro terão:
- Vantagem competitiva na atração de convênios.
- Maior atratividade para pacientes, que buscam instituições com melhores indicadores.
4. Melhoria da Reputação Institucional
Instituições que entregam resultados superiores em qualidade e eficiência tendem a:
- Aumentar a fidelização de pacientes.
- Atrair parcerias e investimentos.
- Diferencial no mercado, especialmente em um cenário de concorrência acirrada
Armadilhas Financeiras e Riscos do Modelo
Apesar das vantagens, a transição para o VBHC exige preparo financeiro e operacional. Alguns dos principais riscos incluem:
1. Falta de Estrutura de Custeio Adequada
Muitos hospitais brasileiros ainda utilizam:
- Rateio genérico de custos, sem precisão por procedimento.
- Sistemas ultrapassados, incapazes de mensurar custos reais.
Solução: Adotar métodos como:
- Custeio por Absorção (identifica custos diretos e indiretos).
- Activity-Based Costing (ABC) (mapeia custos por atividade).
2. Necessidade de Investimentos Iniciais Elevados
A implementação do VBHC exige:
- Sistemas de prontuário eletrônico (PEP).
- Integração de dados clínicos e financeiros.
- Capacitação de equipes para gestão de indicadores.
3. Risco Financeiro em Caso de Baixo Desempenho
Se a instituição não atingir as metas estabelecidas nos contratos:
- Parte da receita pode ser perdida.
- O fluxo de caixa pode ser comprometido.
4. Desalinhamento Entre Setores
A falta de integração entre assistência médica, faturamento e finanças pode levar a:
- Dados inconsistentes.
- Falhas na cobrança e recebimento.
Como se Preparar para a Transição?
Para evitar as armadilhas e aproveitar as oportunidades, os gestores devem:
- Implementar um sistema de custeio preciso (ABC ou custeio por absorção).
- Revisar a precificação de serviços com base em custos reais.
- Integrar dados clínicos e financeiros em uma plataforma única.
- Monitorar indicadores de desempenho (readmissão, satisfação, tempo de internação).
- Capacitar equipes para entender contratos baseados em valor.
Conclusão: O Futuro da Saúde é Baseado em Valor
A Remuneração Baseada em Valor não é mais uma tendência distante – é uma realidade que está se consolidando no Brasil e no mundo. Para os gestores de saúde, a escolha não é se adotar esse modelo, mas como fazê-lo de forma estratégica.
Instituições que investirem em gestão de custos, tecnologia e integração de dados estarão melhor posicionadas para prosperar nesse novo cenário. Já aquelas que negligenciarem a preparação podem enfrentar desafios financeiros significativos.
O futuro da saúde está na eficiência, na qualidade e no cuidado centrado no paciente. E esse futuro já começou.