Manter o hospital cheio, com agendas lotadas e leitos ocupados, é o sonho de muitos gestores da saúde. Mas e quando esse movimento intenso não se traduz em resultados financeiros positivos? Quando as margens se tornam irrisórias ou até negativas, é hora de levantar uma pergunta incômoda, porém necessária: estamos seguindo a estratégia certa?
Essa é uma realidade enfrentada por muitos hospitais generalistas, que se propõem a atender diversas especialidades e todo tipo de paciente. A variedade de serviços oferecidos parece, à primeira vista, garantir estabilidade. Mas, na prática, o que se vê é que nem todas essas áreas são igualmente rentáveis. Em alguns casos, sustentam-se com dificuldades, drenando recursos de áreas mais lucrativas. E aí surge a questão: não seria mais interessante focar apenas nas atividades que realmente trazem retorno?
Antes de mudar, é preciso conhecer
Uma mudança estratégica não pode ser feita com base em intuições ou percepções isoladas. O primeiro passo para qualquer decisão desse tipo é o conhecimento profundo dos custos hospitalares. Isso inclui não apenas os custos diretos (como insumos e equipe), mas também os indiretos (energia, manutenção, administrativos, etc.). Só com uma apuração criteriosa é possível identificar quais especialidades realmente geram valor e quais estão operando no vermelho.
Além disso, é fundamental conhecer o mercado em que o hospital está inserido: quais são os concorrentes diretos? Que serviços eles oferecem? Como é o comportamento dos planos de saúde? Quais são as oportunidades de diferenciação? E mais: como está o perfil da população atendida e quais suas principais demandas de saúde?
Com esses dados em mãos, o próximo passo é a simulação de cenários. O hospital pode, por exemplo, simular a redução ou eliminação de determinadas especialidades e observar o impacto financeiro e estratégico. No entanto, é preciso tomar cuidado: alguns serviços podem não ser rentáveis individualmente, mas serem essenciais para manter convênios importantes. Há casos em que o descredenciamento pode ocorrer se determinados atendimentos forem descontinuados. Por isso, cada movimento precisa ser milimetricamente calculado.
Estratégias de reinvenção para hospitais
Para hospitais que identificam a necessidade de mudar o rumo, algumas estratégias podem ser consideradas:
- Foco em Centros de Excelência: Concentrar esforços em especialidades onde o hospital já possui reputação ou estrutura diferenciada, transformando essas áreas em centros de referência.
- Parcerias Estratégicas: Firmar acordos com clínicas especializadas, operadoras de saúde ou instituições de ensino para ampliar a gama de serviços ou reduzir custos operacionais.
- Transformação Digital: Investir em tecnologias de telemedicina, prontuário eletrônico, inteligência artificial para diagnóstico e automação de processos administrativos.
- Gestão de Doenças Crônicas: Criar programas de acompanhamento para pacientes com doenças crônicas, oferecendo cuidados contínuos e prevenindo internações desnecessárias.
- Redesenho do Portfólio de Serviços: Analisar profundamente quais serviços são lucrativos, quais são estratégicos e quais devem ser revistos ou descontinuados.
- Expansão em Segmentos Nichados: Especializar-se em nichos de mercado com alta demanda e menor concorrência, como geriatria, cuidados paliativos, medicina esportiva ou reabilitação.
Cada hospital deve considerar seu contexto específico, mas adotar uma ou mais dessas estratégias pode ser o caminho para uma operação mais saudável e sustentável.
Exemplos que mostram que mudar é preciso
Casos de mudança de estratégia bem-sucedida não são raros. Um exemplo emblemático é o do Hospital Israelita Albert Einstein, que ao longo dos anos reduziu sua atuação em algumas especialidades menos estratégicas para focar em alta complexidade e inovação, áreas com maior rentabilidade e valor agregado. A mudança foi acompanhada de investimentos em tecnologia e estrutura, consolidando sua posição como referência nacional.
Outro exemplo é o da Cleveland Clinic, nos Estados Unidos. A instituição reorganizou sua estrutura para operar por linhas de cuidado e centros de excelência, otimizando custos e aumentando a qualidade dos serviços. Essa mudança foi resultado de análises criteriosas de desempenho, custos e valor entregue ao paciente.
No Brasil, o Grupo Ônix, focado em hospitais de especialidades e serviços de oncologia, também ajustou sua estratégia nos últimos anos, fechando unidades que apresentavam baixo desempenho e fortalecendo investimentos em praças com maior demanda e rentabilidade.
O que acontece com quem não muda?
Instituições de saúde que ignoram os sinais de alerta e mantêm estratégias deficitárias correm sérios riscos. Recentemente, o caso da Rede Hospitalar Casa de Portugal, em São Paulo, ganhou destaque na mídia. A instituição, tradicional na cidade, enfrentou problemas financeiros graves por não se adaptar às mudanças do mercado e à necessidade de modernização dos serviços. O resultado foi a suspensão de atividades e uma reestruturação forçada para tentar salvar a operação.
Outro exemplo é a situação do Hospital Espanhol, em Salvador, que fechou as portas por falta de viabilidade financeira após anos de dificuldades para ajustar seu modelo de gestão e atendimento. Somente após intervenção governamental o hospital foi reaberto com novo perfil de atendimento.
Esperar que o volume de atendimentos compense a baixa rentabilidade é uma armadilha perigosa. Sem uma gestão estratégica, baseada em dados e visão de longo prazo, o hospital pode estar mantendo a casa cheia à custa de sua própria sobrevivência.
Conclusão: estratégia é questão de sobrevivência
Mudar de estratégia não é sinal de fracasso. Pelo contrário: é um sinal de maturidade, de capacidade de adaptação e de compromisso com a sustentabilidade institucional. Identificar atividades rentáveis, compreender os custos, analisar o mercado e simular cenários são atitudes fundamentais para tomar decisões mais seguras e eficazes.
Em um cenário de constantes mudanças regulatórias, tecnológicas e econômicas, estar atento aos sinais e disposto a evoluir pode ser a diferença entre prosperar ou apenas sobreviver.