A sustentabilidade financeira dos hospitais e operadoras de planos de saúde está sob crescente ameaça. E, ao contrário do que muitos imaginam, parte importante desse problema não está nos processos internos, mas nos hábitos da própria população.
Embora o tabagismo tenha recuado, o avanço de fatores como alcoolismo, má alimentação, sedentarismo e transtornos mentais tem elevado de forma significativa os custos assistenciais, impactando diretamente os indicadores de sinistralidade, o volume de internações e a pressão sobre os reajustes dos planos.
Neste artigo, vamos explorar os números por trás desse cenário, seu impacto financeiro sobre instituições de saúde e, sobretudo, apresentar caminhos práticos e eficazes que gestores hospitalares podem adotar para transformar esse desafio em oportunidade estratégica.
Panorama Atual: Tendências de Hábitos Que Adoecem – e Custam Caro
A saúde do brasileiro mudou – e nem sempre para melhor. O comportamento da população tem influência direta sobre a demanda por serviços, especialmente os de alta complexidade. A seguir, uma visão ampliada dos principais indicadores que afetam os custos hospitalares e a sinistralidade nos planos de saúde.
Tabagismo em Queda: Um Caso de Sucesso
Segundo o Ministério da Saúde (Vigitel 2023), o percentual de fumantes no Brasil caiu de 15,6% em 2006 para 9,1% em 2023 – uma redução de 41,6% em 17 anos. O país é reconhecido mundialmente como referência no combate ao tabagismo, resultado de políticas públicas bem estruturadas.
Entretanto, há uma nova preocupação: o crescimento do uso de cigarros eletrônicos, especialmente entre os jovens, o que pode comprometer os avanços obtidos.
Alcoolismo em Alta: Um Custo Silencioso
De acordo com a OPAS e a Fiocruz, o consumo nocivo de álcool cresceu 6% na última década. O Brasil registra hoje uma taxa de 18,8% de consumo abusivo entre adultos. O álcool está relacionado a mais de 200 doenças, entre elas cirrose, câncer e doenças cardiovasculares, representando um importante fator de risco evitável.
Má Alimentação e Obesidade: Epidemia Nacional
Mais da metade da população brasileira está com sobrepeso, e a obesidade praticamente dobrou em 17 anos — passando de 11,8% em 2006 para 22,4% em 2023. O aumento do consumo de alimentos ultraprocessados (18% em 10 anos) contribui diretamente para doenças crônicas
como diabetes, hipertensão e câncer – todas com alto custo assistencial.
Sedentarismo em Crescimento
O percentual de adultos considerados insuficientemente ativos atingiu 47% em 2023, um aumento de 9% em apenas quatro anos. A pandemia agravou esse cenário, reduzindo ainda mais a prática de atividade física regular.
Impactos Econômicos Diretos no Setor de Saúde
Para os Hospitais
- Aumento nas internações por doenças crônicas não transmissíveis (AVC, infarto, diabetes tipo 2, câncer, entre outras).
- Maior demanda por serviços de alta complexidade, como hemodiálise e cirurgias cardíacas.
- Sobrecarga de leitos de UTI, emergência e uso crescente de medicamentos de alto custo.
Para os Planos de Saúde
- Sinistralidade elevada: segundo a ANS, passou de 76% em 2019 para mais de 85% em 2023.
- Pressão inflacionária nos reajustes, comprometendo a competitividade dos planos.
- Aumento da evasão de clientes e perda de contratos de longo prazo.
Novos Males Emergentes: A Ameaça dos Transtornos Mentais e do Mundo Digital
O impacto dos hábitos modernos sobre a saúde mental se tornou uma das maiores preocupações do setor.
Transtornos Mentais em Escalada
O Brasil é líder mundial em prevalência de ansiedade (9,3%) e apresenta índices preocupantes de depressão (5,8%). Casos de burnout aumentaram mais de 30% nos últimos cinco anos, especialmente entre profissionais da saúde, educação e tecnologia.
Distúrbios Alimentares e Pressão Estética
A Associação Brasileira de Nutrologia (ABRAN) aponta crescimento de até 70% nos casos de anorexia, bulimia e compulsão alimentar desde 2020. A pandemia, o isolamento social e o uso intenso de redes sociais potencializaram esse quadro.
Sedentarismo Digital e Dependência Tecnológica
O brasileiro passa, em média, 9h32 por dia em frente a telas, segundo o relatório Digital 2024. Esse comportamento gera impactos físicos (obesidade, doenças musculoesqueléticas), mentais (ansiedade, depressão, insônia) e sociais (isolamento).
A OMS reconhece desde 2019 a dependência digital como um transtorno comportamental, que exige atenção clínica.
Consequências Para o Setor de Saúde:
- Crescimento das internações psiquiátricas e atendimentos de emergência por crises emocionais.
- Aumento da demanda por serviços de saúde mental: psiquiatria, psicoterapia, neurologia e suporte interdisciplinar.
- Maior prescrição de medicamentos controlados e terapias contínuas, encarecendo os pacotes assistenciais.
Estratégias de Mitigação: Prevenção e Promoção da Saúde Como Ferramentas de Redução de Custos
Hospitais, clínicas e operadoras podem (e devem) se antecipar à explosão de custos com doenças evitáveis. A adoção de programas de promoção da saúde é uma estratégia não apenas de cuidado, mas de sustentabilidade econômica.
Exemplos de Ações Possíveis:
- Parcerias com academias (Gympass, TotalPass ou locais).
- Programas multidisciplinares de nutrição, saúde mental e atividade física.
- Educação para o autocuidado em pacientes com doenças crônicas.
Modelo Prático: Programa de Incentivo à Saúde
Como Funciona:
- O hospital ou plano firma parceria com academias.
- O beneficiário que frequenta regularmente (ex.: 3x/semana) ganha benefícios:
- Desconto na mensalidade do plano (5% a 15%).
- Redução da coparticipação.
- Cashback em farmácias ou serviços parceiros.
- Acesso a programas nutricionais ou psicológicos subsidiados.
Base Regulamentar:
- Permitido pela ANS como parte dos Programas de Promoção da Saúde e Prevenção de Riscos.
- Deve ser opcional, transparente e constar em contrato.
- Não pode configurar seleção de risco ou discriminação.
Casos de Sucesso:
- EUA: A UnitedHealthcare oferece até US$ 1.000/ano para clientes que se exercitam regularmente.
- Brasil: Modelos como Gympass e TotalPass já estão presentes, mas ainda há espaço para expansão com vínculo direto a incentivos financeiros.
Controle e Monitoramento:
- Check-ins digitais.
- Integração com apps de saúde (Apple Health, Google Fit).
- Relatórios compartilhados entre parceiros e operadoras.
Benefícios Econômicos e Estratégicos
- Redução da sinistralidade.
- Melhora da saúde da população atendida.
- Maior retenção de clientes.
- Diferencial competitivo no mercado.
A promoção da saúde deixa de ser apenas um valor institucional e passa a ser um investimento com retorno financeiro mensurável.
Conclusão: De Risco a Oportunidade Estratégica
Os custos hospitalares e assistenciais causados por maus hábitos da população já são realidade — e tendem a crescer.
Entretanto, instituições de saúde que optam por atuar na raiz do problema, promovendo hábitos saudáveis e bem-estar, conseguem resultados consistentes: menos internações, maior fidelização, redução de custos e uma imagem institucional mais sólida.
Transformar o desafio dos custos ocultos em uma vantagem estratégica é o novo caminho para a sustentabilidade do setor de saúde.
Referências: Ministério da Saúde, Vigitel 2023, OMS,
ANS, OPAS, Fiocruz.